....naquele tempo os táxis tinham horror de ir à tijuca à noite, pois invariavelmente voltavam vazios. e eu tomava táxis toda madrugada para casa. de tanto ver o santo nome da minhã mãe sendo xingado e enxovalhado, desenvolvi um discurso-padrão e anti-surra. era na base do " amigo, estou indo para a tijuca. não se preocupe, estou disposto a pagar o retorno. " era o único jeito de sair vivo dos volksvagens quatro portas(zé do caixão), equipamento normal daquela época. ainda assim, levava uns 15 minutos e uns dois uisques para conseguir parar de tremer quano chegava em casa.
pois bem, numa noite apanhei um táxi conduzido por um distintíssimo senhor de terno e gravata que logo após o speech " estou indo para à tijuca... etc", para meu total espanto, respondeu:
— cavalheiro, por favor! o senhor não pagará nem um tostão a mais do que marcar o taxímetro. as tarifas são calculadas de maneira que estejam previstas todas estas possibilidades, inclusive o retorno vazio. o senhor será transportado até sua residência pelo csto acordado entre o departamento de trânsito e a categoria.
achando que estava em londres ou dm genebra, calei a boca, meio envergonhado. vendo meu constrangimento,ele(seria o próprio jesus cristo disfarçado? dizem que acontece) ainda veio em meu auxílio:
— cavalheiro, mil perdões! não me julgue tão generoso ou tão despojado como talvez me fiz passar. há um outro fator que talvez o senhor desconheça, mas que vem a meu favor. acontece que resido no grajaú e já está chegando a hora de me recolher. para mim esta corrida é duplamente benéfica. recebo por parte meu roteiro obrigatório e ainda cumpro minha rotina diária, que é de passar na saens pêna e adquirir um presente para minha esposa.
a esta altura, além da vergonha, começei também a sentir culpa. há quanto tempo não dava um presente para minha mulher? pergunei se era alguma data especial e lá veio outra lição de vida.
— não, cavalheiro. nenhuma efeméride. há 27 anos que jamais me dirigi à minha residência sem um mimo qualquer. na maioria das vezes, uma simples lembrança, uma demonstração de afeto, nada mais que isso. um bombom, uma fruta, um doce. algo que faça ela saber que pensei nela e que não me esqueci de sua doce presença me aguardando.
bebum da pior espécie, distraído notório e sem horários, eu já me afundava no banco tal qual um verme desalmado - um projeto de corno se houvesse justiça no mundo. e ele, implacável.
— assim são as mulheres, caro amigo. muitas vezes são capazes dos maiores sacrifícios em troca de um simples gesto de amor e afeição.
estava quase pedindo-lhe a benção, convencido de que algum anjo tivesse resolvido volar à terra na forma de um motorista de táxi para expiar algum pecadilho, quando o infeliz, já de olhinho revirado, termina a explanação com esta pérola:
— pois esta é minha filosofia de vida. todo dia, um agrado. ela me adora e eu vou comendo aquele cu maravilhoso,
(lula vieira em loucuras de um publicitário, excerto)
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